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O segredo dos edifícios que não caíram durante o terremoto no Equador

BBC - 27 de abril de 2016 2116 Visualizações
O segredo dos edifícios que não caíram durante o terremoto no Equador
Um terremoto sempre pode matar, e também se pode morrer atravessando a rua, mas você corre mais riscos se atravessar de olhos fechados. 
O engenheiro Enrique García, especialista em danos sísmicos consultado pela BBC Mundo, o serviço em espanhol da BBC, se refere assim aos problemas no setor de construção que tiveram consequência direta nas mais de 600 mortes causadas pelo abalo de magnitude 7,8 que atingiu o Equador no último dia 16.
Após suas primeiras visitas às regiões afetadas, o presidente Rafael Correa reconheceu que muitos prédios haviam caído por má construção. 
Correa disse que o país adotou, após os terremotos recentes no Chile e no Haiti, normas de construção muito mais fortes. Daí surgiu a chamada Norma Equatoriana de Construção (NEC). 
Para o engenheiro estrutural Fabián Carrasco, contudo, as regras equatorianas são boas, mas pouco cumpridas no país. 
As permissões de construção dependem de cada município. Alguns exigem a intervenção de um engenheiro estrutural a partir de um determinado número de andares, outros não, mas isso ocorre apenas no estudo das plantas, então não há ninguém que supervisione a construção, afirmou. 
Para Enrique García, esse é um dos pecados da construção no Equador. Outros são a informalidade (as construções ficam a cargo de mestres de obra e não de engenheiros ou arquitetos), a falta de controle de qualidade de materiais e ausência de projetos sísmicos adequados. 
A BBC Mundo percorreu regiões afetadas com um arquiteto para analisar erros dos edifícios destruídos e acertos de construções que não caíram.

Primeira parada: Manta 
O cenário no porto mais importante do Equador é desolador, com prédios emblemáticos em estado de ruína. Mas, para um engenheiro estrutural, o importante não são os danos irreparáveis, mas que o edifício não caia e não provoque mortes em um eventual colapso. 
Isso ocorreu com várias casas em Manta, que simplesmente caíram sobre si mesmas ou se inclinaram violentamente porque suas bases não suportaram os andares superiores.
A reportagem analisou duas dessas construções - uma casa particular e um ponto comercial - e consultou o arquiteto Fausto Cardoso sobre possíveis causas do colapso.
À primeira vista, há um peso muito grande na parte superior e as estruturas não são suficientemente sólidas para sustentá-la. O senso comum em zonas sísmicas indica que elementos mais pesados devem ficar embaixo, e conforme a construção se eleva é preciso ir aliviando o peso, diz Cardoso. 
Aqui vemos o contrário: colocam-se lajes de concreto acima, estruturas frágeis abaixo e colunas pequenas no meio que cumprem uma função apenas estética, e não de suporte. Gasta-se muito em ornamentos, mas a segurança fica sem cuidado. 
Outro elemento chave é o uso adequado de materiais: uma boa quantidade de ferro para a coesão da estrutura e o uso de areia de minas ou rios, nunca do mar. 
Muitos vizinhos da casa derrubada em Manta disseram que a maioria das residências na região usavam areia de praia. 
A areia do mar não é boa para construir porque o sal danifica o concreto e termina corroendo o ferro, afirma o arquiteto. 
Julio Bermúdez, um dos especialistas que observavam as construções, disse, a partir de sua experiência como trabalhador na construção civil, que não há técnica adequada nas obras no Equador.
Um terremoto como esse derrubaria casas em qualquer parte do mundo, mas há construções que aguentaram porque foram erguidas de forma mais consciente. Muitas pessoas, para poupar dinheiro, economizam materiais. Ou os mestres de obra são inescrupulosos e usam materiais de menor qualidade. Isso ocorre não apenas em Manta, mas em todo o Equador. 

Segunda parada: Baía de Caráquez 
Na entrada do calçadão dessa cidade costeira há uma casa antiga que estava a ponto de ser tombada como patrimônio histórico e ainda se mantém de pé. Seus materiais? Madeira e bambu.
Cada lugar desenvolve uma tecnologia de acordo com o material que tem. Esses elementos têm a vantagem de ser muito leves. Movem-se com o terremoto e voltam à posição original, dissipando a energia, assinala o arquiteto Cardoso, que também é restaurador. 
Ele lamenta ao perceber como a derrubada de uma casa de cimento e concreto a poucos metros dali afetou paredes de casas de madeira vizinhas. 
O arquiteto afirma, no entanto, que não se trata de satanizar o cimento, já que toda tecnologia pode ser usada de forma responsável. Cita como exemplo o museu da cidade, que teve danos na fachada mas manteve a estrutura intacta. 
Cardoso diz acreditar que a informalidade na construção civil irá continuar após os efeitos do terremoto serem esquecidos. Para ele, o Estado deveria incentivar a retomada da chamada arquitetura vernácula, com materiais próprios da região, em vez de autorizar construções perigosas de cimento que não cumprem regras adequadas. 
Mas isso não seria suficiente. Engenheiros estruturais lembram que erguer casas em locais inadequados como margens de rios, ravinas (buracos de erosão) e encostas acaba anulando o efeito positivo do uso de materiais leves. 

Terceira parada: San Vicente 
A pequena cidade em frente à Bahía de Caráquez está unida ao município vizinho por uma ponte que parece não ter sofrido danos pelo terremoto. 
Uma construção chama a atenção do arquiteto. Dela saem ferros como jatos de água numa fonte. São os ferros da esperança, diz Cardoso. 
É um fenômeno equatoriano e latinoamericano. As pessoas começam uma obra com a esperança de acrescentar novos andares no futuro.
Em seguida, eles constroem as fundações com uma pequena estrutura de concreto, fazem paredes fechadas, fundem uma laje no piso térreo para usar como cobertura e lançam um conjunto de ferros para andares futuros. 
O problema é que a maresia na costa oxida os ferros, danificando a conexão que esses diferentes andares terão no futuro. 
O mundo imobiliário me parece medíocre e mesquinho, diz Alejandro Aravena, chileno que ganhou o Nobel de Arquitetura. 
Se acrescentarmos a isso os problemas de qualidade do material e o sal que entra no concreto ao utilizar areia do mar, estamos criando um coquetel de arquitetura extremamente perigoso quando existe risco sísmico, disse Cardoso. 

Quarta parada: Canoa 
O estado da infraestrutura hoteleira é fundamental para o futuro de um dos principais centros turísticos da costa equatoriana, onde fica a cidade de Canoa. 
Mas um cenário pouco otimista se revela logo em um dos primeiros destinos: o hotel Royal Pacific perdeu todo o piso térreo devido ao colapso de sua estrutura - causando, segundo um vizinho, a morte de seis pessoas. 
Não sabemos ao certo o que aconteceu. Nota-se que há um monte de ferro, mas ferro e concreto não funcionam juntos. O edifício caiu em si, a estrutura permaneceu, mas a base não resistiu, afirma Cardoso.
A queda do Royal Pacific lembra o clássico jogo Tetris, em que peças desaparecem ao atingir a superfície. O primeiro piso foi completamente esmagado pelos andares superiores. 
Mas a dois quarteirões desse hotel há outro sem rachaduras, como se o terremoto não tivesse ao menos ocorrido. 
Os dono do hotel Amalur são dois espanhois, José de San Diego e Lorena Rojo, e o segredo da construção é simples. 
Levamos dois meses nas fundações, enquanto outros correm para começar o negócio mais rápido e não fazem uma boa fundação, disse Diego. 
Muitas pessoas usam areia da praia e a maresia vai comendo o ferro. Usamos areia de rio, lavada e peneirada. Veja o tamanho de nossas colunas. E só levantamos um piso. A base do hotel é de concreto e a parte de cima é de madeira e bambu, afirmou Lorena. 
Ambos fazem uma descrição desoladora do que vinha ocorrendo com algumas construções em Canoa. Aqui apresentavam uma planta de um andar, construíam cinco e ninguém ficava sabendo. 
Existiam prédios que pareciam que iriam cair mesmo sem terremoto. 
Isso ocorria mesmo após um terremoto que atingiu Bahía de Caráquez e Canoa em 1998. 
Embora o presidente tenha manifestado intenção de aprender com os erros da experiência dolorosíssima, o especialista Enrique García se diz pessimista em relação ao futuro. 
Em 2008, houve um congresso em Bahía de Caráquez para determinar o que tínhamos aprendido com o terremoto de 1998, e veja o que aconteceu agora. Algumas medidas irão ser tomadas, mas acho que isso cairá no esquecimento em um ano.