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É preciso aprender com Belo Monte”

Clube de Engenharia - 19 de julho de 2016 2429 Visualizações
É preciso aprender com Belo Monte”
Os debates entre desenvolvimentistas e ambientalistas sobre a construção de usinas hidrelétricas com reservatórios de acumulação se arrasta há décadas. De um lado, um país que precisa urgentemente de energia para acompanhar os números crescentes do consumo e que tem um sistema privilegiado no que diz respeito ao aproveitamento da energia hidrelétrica. Do outro, a consciência de que é preciso buscar caminhos para que fatores ambientais e humanos sejam cada vez mais contemplados em grandes obras. No centro do debate, a Usina Hidrelétrica de Belo Monte. Em fevereiro do ano em curso a usina deu início à geração de energia, com o acionamento de sua primeira turbina. A plena capacidade instalada de geração, de 11,2 mil MW, deve ser atingida em 2019 e poderá beneficiar 60 milhões de pessoas em 17 estados brasileiros, segundo cálculos do governo. Cerca de 10% da energia total consumida no país sairá da UHE de Belo Monte, que só é menor que as hidrelétricas de Três Gargantas, na China, com 22,5 mil MW e da binacional Itaipu, com 14 mil MW.
 
O início da operação da usina é um capítulo importante nessa história que vem sendo escrita desde a década de 1970 e reacende discussões que, embora exaustivamente travadas ao longo dos anos, estão longe de conclusão. O embate, bastante complexo, evidencia os diversos enfoques envolvidos, com objetivos nem sempre claros, desde a dificuldade em delinear interesses até a falta de um diálogo efetivamente franco e transparente entre sociedade, investidores e governos municipais, estaduais e federal.
 
Expansão da oferta
A UHE Belo Monte foi planejada para operar com a capacidade máxima de 11.233,1 MW e com energia firme de 4.571 MW médios, solução de engenharia para que a usina gere energia de forma constante com baixo impacto socioambiental e com a menor área alagada possível, que é o reservatório com 503 km². Como uma hidrelétrica a “fio d’água”, sem grandes reservatórios para armazenar água, quando a vazão é pequena a usina gera menos energia.
 
É inegável que um empreendimento como a UHE Belo Monte exige a realização de estudos que atestem sua viabilidade. A empresa Norte Energia S.A, consórcio construtor responsável, não poupou esforços neste sentido: revisou os estudos de Inventário Hidrelétrico do Rio Xingu, promoveu o Estudo de Impacto Ambiental (EIA/Rima), realizou estudos Antropológicos das Populações Indígenas e também a Avaliação Ambiental Integrada (AAI). Dez empresas integram o consórcio: Andrade Gutierrez (18%), Odebrecht (16%), Camargo Corrêa (16%), Queiroz Galvão (11,50%), OAS (11,50%), Contern (10%), Galvão (10%), Serveng (3%), J. Marlucelli (2%) e Cetenco (2%).
 
Para discutir a construção da usina, entre 2007 e 2010, a partir de dados oficiais divulgados pela empresa, foram realizadas 12 consultas públicas; dez oficinas com a comunidade que vive na área do empreendimento; fóruns técnicos em Belém e no Xingu; visitas a mais de 4.000 famílias; quatro audiências públicas do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama), com mais de 6.000 pessoas; e 30 reuniões da Fundação Nacional do Índio (Funai) em aldeias indígenas. A necessidade da construção de Belo Monte e de usinas hidrelétricas em geral encontra base em números. O consumo per capita de energia deve aumentar significativamente nos próximos dez anos. À medida que o país se desenvolva e que grupos sem acesso a bens e serviços básicos passem a ser atendidos, a demanda deverá crescer cerca de 50%. A expansão da oferta de energia por meio de hidrelétricas é defendida por especialistas com argumentos de que poluem menos que usinas a gás, nossa alternativa direta. Belo Monte deverá evitar a emissão de 18 milhões de toneladas de CO2 que seriam jogados na atmosfera para a mesma geração energética em usinas movidas a gás, ou 45 milhões caso o combustível fosse o carvão.
 
O empreendimento é importante não apenas por ser um dos maiores feitos no sistema elétrico nacional, mas também por propiciar um aprendizado que poderá ajudar a definir o futuro dos investimentos no setor. Neste energia Vista aérea dos canais que levam à barragem da Usina Hidrlétrica de Belo Monte.
6 energia cenário, é preciso contabilizar a vantagem da construção de um Sistema Hidroelétrico Interligado (SIN), que distingue o Brasil do resto do mundo no que diz respeito à segurança energética. “Isso significa”, esclarece o primeiro vice-presidente do Clube de Engenharia, Sebastião Soares, “que gozamos do privilégio de viver em um país no qual quando está seco no Rio Grande do Sul, chove no Norte e viceversa. O princípio da plena utilização da reserva hidrelétrica é baseado nisso. Seguiremos com a energia hidrelétrica, potencial ainda longe de ser totalmente explorado no Brasil. Daí a enorme importância desse debate.”
 
Reserva e impactos
Apesar dos números, o avanço na construção da reserva energética nacional encontra obstáculos que pouco têm a ver com os interesses soberanos do país. A pressão de organizações ligadas ao meio ambiente e constantes embargos de órgãos licenciadores têm conseguido, efetivamente, evitar a construção de reservatórios de acumulação de grande porte. Importantes no que se refere ao estoque de energia para todo o país, os reservatórios promovem a regularização dos rios, além de outros múltiplos usos que podem apresentar. Embora essa questão esteja entre as principais preocupações de Organizações Não Governamentais e órgãos ambientais, segundo o engenheiro Mauricio Tolmasquim, presidente da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), em artigo escrito para a Folha de São Paulo, a preocupação não se justifica. “Se, por hipótese, fossem implantadas todas as hidrelétricas que constituem o potencial da Amazônia, o somatório dos reservatórios ocuparia menos de 0,5% de sua área total. Para efeito de comparação, terras indígenas representam 24% e as unidades de conservação, 27%. O reservatório da usina de Belo Monte ocupa apenas 503 km², o equivalente a 0,01% da Amazônia”, esclarece Tolmasquim.
 
Além de irrisória se comparada com a totalidade da Amazônia, a área alagada pelo empreendimento foi calculada levando em consideração diversos fatores que mitigaram bastante os impactos causados. O ex-chefe do departamento de Meio Ambiente da Eletrobrás, Sérgio Almeida, destaca que dos 503 km² do reservatório de Belo monte, 228 km² já ficam submersos nas épocas de cheia do rio Xingu. “Realmente o percentual da Amazônia brasileira inundada pelo reservatório é muito pequeno. Além disso, grande parte da área adicional de inundação foi degradada por madeireiros e pecuaristas. A relação entre a área do reservatório e a potência instalada – 0,05km²/MW - é muito favorável, cerca de 10% da média nacional. O projeto inicialmente concebido previa dois reservatórios, totalizando 1.225 km², mas mereceu forte oposição de movimentos sociais, especialmente de comunidades indígenas. Por conta dessa reação, os estudos evoluíram para a criação de apenas um reservatório”, relata Sérgio.
 
Pressões e interesses
O esforço realizado para que novas usinas não saiam do papel vieram à luz nos Relatórios da Agência Brasileira de Inteligência, de 2011, com incertezas sobre as intenções de ONGs que se dedicavam a impedir a construção da usina. Segundo os documentos “algumas das ONGs atuantes no Estado recebem doações de organismos internacionais e governos estrangeiros, que contribuem significativamente para a realização de suas atividades no País”. O documento traz uma lista completa de ONGs e seus financiadores, bem como suas parcerias com organizações locais. “Há de fato quem queira utilizar razões ambientais para cercear o nosso desenvolvimento”, alerta Sebastião.
 
Existem questões de mercado envolvidas, confirma Sergio Almeida, alertando, no entanto, que o caminho correto não é deslegitimar todas as organizações sociais que defendem bandeiras relacionadas ao assunto. “Sabemos que existem ONGs sem compromisso com o interesse nacional, cuja ação é orientada para privilegiar a produção de energia elétrica através de usinas térmicas, solares e eólicas – ainda que reconhecendo que estas devem fazer parte da matriz de produção de energia – visando à venda ao Brasil de tecnologia e equipamentos. Mas isso não deve nos impedir de levar em consideração os debates propostos por importantes organizações sociais, tais como o Movimento de Atingidos por Barragens (MAB), que tem contribuído bastante para a democratização dos processos de decisão.”
 
Já o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) entende que os vetos a projetos de hidrelétricas com grandes reservatórios têm como causa a qualidade dos projetos apresentados. Segundo o Ibama, as empresas de energia apresentam Estudos e Relatórios de Impacto Ambiental (EIA/RIMA) geralmente elaborados por consultorias terceirizadas que não levam em conta, por exemplo, planos de desenvolvimento das bacias hidrográficas com usos múltiplos da água, sendo o aproveitamento hidrelétrico apenas um deles. Com pleno foco na usina, os projetos caem em muitas exigências de analistas ambientais. Para não atrasar cronogramas, algumas concessionárias simplificam o projeto removendo os reservatórios.
 
“É preciso aprender com as experiências trazidas pelas grandes obras de infraestrutura, e Belo Monte é uma oportunidade para esse aprendizado”, afirma Sebastião Soares. “Temos que buscar soluções que atendam à necessidade de gerar energia hidrelétrica, preservando os valores de meio ambiente, aspectos sociais, populações ribeirinhas e indígenas”, destaca. Para ele, o fortalecimento do Ibama é urgente e definitivo para que as próximas usinas sejam construídas com o menor impacto possível.
 
“Há um problema geral na questão ambiental que é a pouca prioridade recebida pelo Ibama como órgão de Estado voltado para a preservação do meio ambiente, contribuindo assim para o desenvolvimento JULHO DE 2016 7 sustentável do Brasil durante as próximas décadas. Hoje não existem quadros para uma fiscalização eficiente. Em um país como o Brasil, é fundamental que o Ibama tenha categoria comparável ao Itamarati, com uma estrutura e carreiras de Estado, com personalidade, força e relevância, uma estrutura densa, permanente, com quadros suficientes”, defende Sebastião.
 
Entre as experiências legadas de projetos anteriores está o fato de ganhos socioeconômicos locais se estabelecerem mais consistentemente a médio e longo prazo, inclusive com os recursos dos royalties. É o caso, por exemplo, das cidades de Foz do Iguaçu e de outros municípios situados no entorno do lago de Itaipu no sudoeste paranaense, de Paulo Afonso e cidades no entorno do lago de Furnas em Minas Gerais, nas bacias dos rios Tietê e Paraná, no Estado de São Paulo, dentre outras.
 
Desenvolvimento humano
Dois extremos em luta: de um lado, a defesa incondicional da construção das usinas com grandes reservatórios, entendendo que é essa a principal estratégia no qual o setor deve se alicerçar; de outro, os que lutam pela proibição da construção de novas usinas na Amazônia e, levando em conta o lado humano das grandes obras, criam dificuldades no avanço dos debates sobre as necessidades do país.
 
O Inventário de Potencial Hidrelétrico, trabalho que é a base do planejamento e de decisões relativas ao setor elétrico, coleta e sistematiza informações sobre o regime hidrológico, pluviosidade, topografia e a vazão centenária. Além de identificar os cursos d’água com potencial para a produção de energia e definir o cronograma de aproveitamento, também busca apontar fatores como a localização de populações indígenas e povos ribeirinhos, entre outras informações.
 
Sérgio Almeida avalia que com esses dados em mãos, o debate precisa ser ampliado. “A questão é definir até que ponto a sociedade admite a implantação de um empreendimento tendo em vista os impactos por ele causados. A proposição de alternativas para aproveitamento de recursos naturais deve contar com o concurso da engenharia, mas as decisões a serem tomadas transcendem em muito as questões tecnológicas. Essa é uma tarefa da sociedade.”
 
Sobre a questão indígena, Sebastião destaca olhares extremados sobre o assunto, que não colaboram com o debate. “É um erro pensar essas populações assumindo que todas atuam como os yanomami que, com território demarcado, de forma contínua, no Brasil, na Colômbia e na Venezuela, representam um enclave no território nacional, sob inspiração e liderança de interesses britânicos. Não são todos assim. Há grupos indígenas importantíssimos para a nossa formação. Os guaranis, no oeste de São Paulo, sul do Mato Grosso do Sul, sul de Goiás, norte do Paraná até o Paraguai, têm importância extraordinária no desenvolvimento histórico dessa região. São Paulo, na época da independência, falava nheengatu, um dialeto tupi-guarani misturado com português. Esses povos hoje são decadentes porque seu território se desenvolveu de tal maneira que estão marginalizados. O medo é que aconteça o mesmo no Xingu”, afirma. Em ambos os campos os números são expressivos e apontam para a necessidade de mais diálogo e da relevância desse aprendizado. Fica claro, também, o papel do protagonismo das organizações sociais verdadeiramente comprometidas com fatores humanos relacionados às obras como apoio para a fiscalização realizada pelos órgãos responsáveis. “É uma questão que merece reflexão cuidadosa. Pela legislação atual do setor, os projetos de novas obras são levados a leilão e a empresa que oferecer o preço mais baixo para venda da energia vence a licitação, se obrigando a cumprir todas as exigências previstas no projeto, mas que oneram a construção do complexo gerador de energia. Por isso, os vencedores dos leilões travam uma permanente queda de braço com os órgãos fiscalizadores e reguladores, encarregados do acompanhamento das ações visando à compensação dos impactos negativos e à integração com outras ações de políticas públicas. Nem sempre esses órgãos dispõem de recursos financeiros e humanos suficientes para enfrentar o conflito entre o interesse público e o do empreendedor. Sob essa ótica, o acompanhamento do projeto pelas organizações sociais torna-se ainda mais relevante”, defende Sérgio Almeida.
 
Em meio ao debate, vale registrar a observação do professor Henri Acselrad, do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano e Regional, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (IPPUR/UFRJ): “A questão ambiental não deve ser vista necessariamente como um entrave ao desenvolvimento mas, sim, como dimensão constitutiva de um modelo de desenvolvimento que se quer democrático e inclusivo”.
 
Fiscalização e gestão pública
O pacote de medidas de mitigação e compensação apresentado pelo Ibama ao Consórcio Norte Energia possui 35 volumes. As condicionantes chegam a R$ 4 bilhões dos R$ 30 bilhões gastos para construir Belo Monte. É um programa de mitigação completo, único de desenvolvimento que a Bacia do Xingu já recebeu. Mas não há consenso em relação ao cumprimento das condicionantes. O consórcio informa que R$ 4,2 bilhões foram investidos em ações de saneamento, saúde, educação, habitação, protec¸ão ambiental e segurança pública na região. O Instituto Socioambiental, tido como referência no acompanhamento social das obras no Xingu, aponta, em dossiê, problemas em especial nas áreas de saúde e segurança. Os números não batem e o diálogo segue entre denúncias e desmentidos. Alguns, o Consórcio não desmente, mas lembra que antes de suas ações Altamira não possuía um centímetro de rede de esgoto e menos de 10% da população contavam com abastecimento de água tratada. É necessário aprofundar o diálogo entre a concessionária e o Poder Público, para que os ganhos sociais previstos sejam alcançados.