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Mundo pós-plástico, cegueira e utopia

Claudia Penteado, jornalista. Texto publicado na Época Negócios - 13 de dezembro de 2018 1332 Visualizações
 Mundo pós-plástico, cegueira e utopia
 
Cenário de escassez de recursos naturais tipo Mad Max é enxergado como o futuro do planeta, mas isso pouco afeta comportamentos no presente 
 
Uma espécie de cegueira congênita parece empurrar a história por caminhos dissonantes daquilo que seria natural e quase óbvio quando se trata de questões ambientais. Nesta área, os retrocessos ocorrem de maneira estarrecedora, lembrando o distópico país habitado por cegos no épico romance de Saramago.
 
Sinto o sabor desse atraso permanentemente, porém com notas mais pronunciadas nos últimos tempos. E é curioso, porque a maioria das pesquisas demonstram que as pessoas em geral (inclusive no Brasil) estão cada vez mais conscientes a respeito da urgência de medidas de proteção ao meio ambiente, e se dizem dispostas a mudar hábitos e até mesmo investir mais dinheiro em produtos e marcas que se posicionem de maneira responsável neste território.

Um estudo recente, feito pela consultoria WGSN para a P&G, apontou alguns insights das pessoas sobre sustentabilidade. Entre eles, por exemplo, a tendência de um mundo pós-plástico, onde fabricantes de produtos de limpeza e beleza buscarão soluções sem a utilização do plástico. Diz a análise da pesquisa: a maioria dos entrevistados acredita que esse conceito será aplicado em suas vidas, mas poucos acreditam que é vivido hoje. Outro conceito mapeado foi o dos Descartáveis renováveis, no qual o aproveitamento de materiais não será mais nichado, mas cada vez mais acessível. A grande maioria dos entrevistados avalia que, no futuro, será essencial multiplicar as atitudes positivas e pensar na redução, reutilização, recuperação e reciclagem de materiais e de energia.

A realidade mostra claramente que a grande maioria das pessoas ainda defende aquilo que não pratica, situando as atitudes positivas em algum lugar do futuro, enquanto pratica aquilo que possivelmente jamais confessaria.

Outro dia vi no Facebook um vídeo que defendia exatamente essa era pós-plástico, pregando que no lugar de reciclar, reciclar e reciclar — ao limite da saturação — o caminho é produzir e consumir menos plástico. Abolir embalagens, comprar a granel. Em plena era do plastiglomerado (um novo mineral descoberto em 2014 formado por sedimentos e detritos plásticos), das ilhas de plástico que flutuam nos nossos oceanos, do descarte de 2,5 milhões de garratas plásticas por hora só nos Estados Unidos, há quem acredite que talvez, quem sabe, o caminho seja parar de produzir e vender quase tudo em embalagens de plástico. E não no futuro, mas já! Quem diria?

Outro dia achei graça ao ler uma entrevista com o artista Peri Pane, que há quinze anos executa a mesma performance, vestindo uma capa plástica em que carrega todo o lixo produzido em uma semana. Ele próprio confessou não conseguir praticar as ideias que prega, como deixar de usar fraldas descartáveis (que demoram 450 anos para se desfazer na natureza). Disse temer que o futuro reserve aos seus descendentes um mundo tipo Mad Max — futuro sombrio que ele certamente não viverá. Então bora usar fraldas descartáveis a valer.

Assim caminha a humanidade, em meio à proliferação de líderes mundiais que negam as mudanças climáticas — corroborando a cegueira coletiva, e ao mesmo tempo propagando o empobrecimento, a involução.

Cuidar do meio ambiente precisa ser, sim, um exercício de empatia com o planeta, mas é, principalmente, com as próximas gerações — já que nós, aqui, pouco sofremos com as consequências dos atos de violência que praticamos contra a natureza. Especialmente no Brasil, a terra da abundância. Estamos longe dos oceanos Pacífico e Índico, cujos litorais sofrerão mais que a maioria com o derretimento das geleiras. Temos a Amazônia, o pulmão do mundo conforme aprendemos na escola. Aqui parece estar tudo bem: energia de sobra, água de sobra. Se a praia está poluída, mergulhamos no mar assim mesmo. Afinal, temos anticorpos.

Quando Donald Trump decidiu mudar políticas ambientais e não assinar, por exemplo, o Acordo de Paris, muitas empresas se posicionaram contra. Tim Cook, CEO da Apple, veio a público afirmar que sua empresa continuaria lutando contra o aquecimento global, após tentar o mudar a opinião do presidente americano, sem sucesso. Nike e Google também fizeram críticas públicas a Trump. Outras tantas como Patagonia, Microsoft, Merrian-Webster, CardsAgainstHumanity, Melville House deram alguns passos além, agindo no mundo com ações de resistência mais incisivas, digamos assim.

Aqui no Brasil o desafio se agiganta, e torço que empresas, as grandes pagadoras de impostos, geradoras de empregos, vetores de transformações e de inovação, marquem suas posições, tanto diante dos eventuais retrocessos que virão (em especial na área ambiental), quanto ajudando a evitar que eles se materializem. Empresas podem criar, espalhar ideias, conscientizar,  transformar a oferta de produtos, pressionar governos que consideram muitos temas essenciais como secundários.  Acredito muito na potência das empresas e das marcas para pressionar o poder público e ajudar a modificar hábitos e pensamentos — seja com ações, seja com o poder da comunicação. Marcas fortes podem inspirar atitudes e comportamentos. E, quem sabe, ajudar a espalhar um pouco mais de lucidez.