Logotipo Engenharia Compartilhada
Home Notícias O que tem de ser feito

O que tem de ser feito

domtotal.com - 27 de março de 2020 1114 Visualizações
O que tem de ser feito
Este é um momento impar para o amadurecimento de nosso coletivo nacional (Sammie Vasquez/ Unsplash)

Jose Antonio de Sousa Neto*


Em situações desafiadoras e excepcionais como a que estamos vivendo, algumas ações decisivas precisam ser encaminhadas. A prioridade absoluta é evidentemente buscar proteger a população e prover aos enfermos, principalmente aos mais fragilizados, a melhor assistência que estiver ao alcance de nossa sociedade. Mas se este é um momento de desafio, é também um momento de imensas oportunidades e também de esperança. Abaixo procuro listar alguns pontos para reflexão:

1) É imperativo neste momento a adoção das medidas nos mesmos moldes que foram adotadas na China, na França e na Itália (dentre outros países) para contenção da enfermidade que estamos enfrentando. Evidentemente um país de dimensões continentais como o nosso tem suas especificidades, mas a lição que já deveria ter sido aprendida é que o timing é absolutamente crítico. O objetivo das restrições impostas é paradoxalmente fazer com que elas se tornem desnecessárias o mais rápido possível. Entender isso é o exercício de uma inteligência emocional coletiva. Uma boa metáfora é o experimento no qual as crianças que se tornaram adultos mais bem-sucedidos foram as que tendo como opção saborear um sorvete agora ou dois depois optaram pela segunda alternativa. Com boa logística não há o que temer. Como certa vez disse o Presidente Roosevelt e aqui adapto para nosso momento passageiro atual, não temos nada a temer a não ser o nosso próprio temor. O país não só tem condições de responder aos desafios logísticos, como os setores essenciais tem uma oportunidade de ganhar uma imensa oportunidade de mercado. Não vão querer perde-la e nem deveriam. Desde que de forma ética terão a oportunidade de gerar muita riqueza para a sociedade e para eles mesmos. Riqueza pecuniária e não pecuniária.

2)  Evidentemente há um custo econômico de grande magnitude, mas este custo pode ser gerenciado. Mesmo com todas as suas falhas e limitações nenhum modelo social gerou tanta riqueza como os fundamentados nos Estado (Liberal) Democrático de Direito. O leitor pode se perguntar então: E a China? Poucos param para pensar que o seu salto aconteceu a partir do momento em que, apesar da especificidade de seu sistema político, o país se integrou, sob o ponto de vista econômico, a um contexto global liderado por países que adotaram o modelo mencionado acima. Em outras palavras é a riqueza gerada por este modelo que tem permitido, como nenhum outro, absorver e alimentar as riquezas geradas pela própria China. O que fazer então neste momento? É crucial uma intervenção governamental maciça na economia. Vejam também, caros leitores, que há uma questão importantíssima que está vindo a reboque e que é um tema fundamental de longo prazo para o mundo e para o Brasil: A discussão sobre a questão da renda mínima.

Assim como anunciaram as lideranças da França, da União Europeia como um todo, do Reino Unido e dos EUA. O Brasil vai ter de fazer isso. Mas isso não contradiz uma visão liberal? Não seria o reconhecimento de que Keynes estava certo? Eu respondo: Mas quem disse que ele estava errado? O problema é que os chamados “desenvolvimentistas” (que pessoalmente eu vejo como “atrasistas” – peço aos leitores desculpas pelo termo inexistente, mas autoexplicativo) transformaram aquilo que deveria ser aplicado com bom senso e em casos excepcionais, em regra desequilibrada e destruidora dos fundamentos e pilares do desenvolvimento econômico. Aqui pondero, como já fiz em vários outros textos anteriores, que não se trata de uma questão ideológica, mas de uma constatação factual e científica de que existem coisas que funcionam e coisas que nunca funcionaram. Negar isso é como um cientista que nega os fundamentos da física quântica, que por mais incômodo possa gerar à compreensão de muitos, tem sido sistematicamente comprovada pela experimentação e constatação prática.

Ok então, mas de onde virão os recursos para esta intervenção governamental? Claro que há o importante, mas aqui temos o urgente. A vida deve vir primeiro. Não há certamente a menor possibilidade de qualquer dúvida a esse respeito! Mas as lideranças responsáveis têm a obrigação de cuidar também do amanhã. Não podemos resolver a questão de curto prazo, e ela será resolvida apesar da luta adiante, e criar um problema imenso que gerará destituição a longo prazo. Os EUA podem ajudar sua economia porque ainda fabricam o dinheiro do mundo. Os europeus tem por trás a União Europeia e o BCE (Banco Central Europeu). Mas mesmo para eles há um limite de política fiscal e monetária além do qual próprio sistema corre o risco de se fragilizar com consequências que precisam ser evitadas para o bem de todos. Mas e o Brasil? Não temos estes privilégios, mas podemos agir e chegar a boas soluções.

Também aqui algumas coisas têm de ser feitas e elas trazem uma oportunidade de ouro para o Brasil:  As reformas do estado brasileiro. Entre elas o novo pacto federativo, as privatizações que se fazem necessárias, e a reforma tributária. Neste último caso há um encaminhamento importante que deve ser reconsiderado com seriedade neste momento e a excepcionalidade da situação exige um estudo e uma compreensão a respeito compatível com uma visão de Estado. Estou falando do imposto sobre movimentações financeiras. Esta alternativa tributária se tornou muito impopular e quase uma heresia porque foi desvirtuada por governos anteriores inundados por corrupção desenfreada, planos messiânicos de poder e dominação a perder de vista e, paradoxalmente, medo por parte de forças políticas diversas de dar ainda mais poder para ações populistas dos governantes de então sem, por parte destas forças políticas, poder usufruir também dos benefícios de curto prazo (e talvez também a longo prazo mesmo ao custo da destruição da própria democracia) deste populismo. Muitos leitores vão se lembrar que a destinação original deste imposto era exatamente para a saúde. Se não me equivoco, apenas uma pequena parte do que foi arrecadado teve esta destinação, se é que alguma coisa destes recursos jamais chegou realmente lá. Os desmandos do passado não podem servir de impedimento para uma oportunidade única que temos de fazer a coisa certa, ajudar a resolver o urgente e contribuir para as bases que temos de estabelecer para que a recuperação do país venha a galope. A economia e os mercados, como comentei aqui neste espaço há duas semanas, se fundamentam em expectativas, e boas expectativas só podem se fundamentar quando há credibilidade e reputação na gestão dos recursos públicos.

3) A educação, mais do que nunca, deve ser valorizada neste momento. É uma oportunidade de ouro! Não estou nem falando das reformas educacionais que o país evidentemente precisa em todos os níveis para corrigir as distorções que prevaleceram por tantos anos. Estou falando da oportunidade de uma inserção maior à era digital. Uma maravilhosa oportunidade para as instituições, seus professores e principalmente pela razão de ser de todos que são os estudantes. O ensino presencial e a convivência humana face a face são um tesouro essencial e insubstituível, mas as duas coisas podem ser potencializadas e enriquecidas de forma determinante com a evolução tecnológica com a qual temos sido brindados. Com os cuidados que se fazem necessários as lideranças do governo nesta área devem buscar ações prudentes, mas visionárias, que valorizem os esforços das instituições de ensino se adaptarem aos novos tempos (na verdade às novas realidades que se impõe). Mais importante ainda neste momento peculiar é o impacto que a possibilidade de continuação das atividades de ensino tem levado de forma silenciosa, mas com uma riqueza inestimável, à sociedade. É um dos pilares não só da vida que segue, mas da percepção que se irradia por toda a sociedade de que não estamos parados, mas andando e talvez até correndo, embora em um primeiro momento isso possa estar sendo subestimado.

Não estou falando especificamente das plataformas tradicionais de ensino à distância. Esta é uma das diversas opções de plataforma possíveis. Outras plataformas e diversas outras ferramentas, de forma autônoma e / ou independente ou de forma combinada, inclusive com plataforma mais formais (exclusivamente dedicadas) de ensino à distância, podem flexibilizar e levar conhecimento e esperança em escala antes nem mesmo almejada. Veja caro leitor que as implicações devem ser visualizadas inclusive na perspectiva dos direitos humanos. Claro que há desafios de toda espécie a serem vencidos. Um exemplo simples é como levar as aulas de forma remota nesta situação provisória a famílias que não têm computadores em casa (ou um computador para vários membros), ou mesmo uma internet adequada? A resposta é simples. Provisoriamente, até que as aulas presenciais retornem, o conhecimento pode chegar com a ajuda das mídias sociais e de aplicativos accessíveis aos aparelhos celulares. Outro dia, em um evento em que participei e que teve de ser adaptado provisoriamente à realidade virtual, me dei conta de que vários participantes que estavam virtualmente presentes através da plataforma utilizada, estavam retransmitindo, por iniciativa  própria, o evento via Instagram para colegas que por uma razão ou outra não podiam estar tendo acesso à plataforma naquele momento ou circunstância. Vejam caros leitores como o provisório pode nos inspirar a resolver desafios em situações provisórias e / ou inesperadas, mas também nos inspirar a novas combinações de recursos educacionais mais definitivos com opções de grande versatilidade. Não tem preço para os que souberem agarrar as oportunidades.

Para concluir volto a enfatizar que esse é um momento impar para o amadurecimento de nosso coletivo nacional. Para o fortalecimento de nossas instituições e progresso da nação. Este é o momento de ouro também para que aqueles que têm posição de liderança ou de destaque em todos os poderes possam fazer a diferença. Não subestimamos as forças trevosas que se aproveitam dos momentos de desafio para tentar semear o caos e a discórdia na busca frenética por poderes efêmeros. Muitas almas que têm ainda um longo caminho a percorrer, em uma cegueira que tragicamente os conduz a uma hipocrisia extrema, são capazes de induzir a muitos às mais baixas frequências vibratórias e ao engano da alma. Em posição de destaque elas são capazes de causar enorme tumulto. Mas não devem subestimar em tempos de novas tecnologias a transparência de suas verdadeiras intenções e ações. Se os bilhões recuperados pela lava-jato devem ser usados para combater a crise sanitária mais ainda, e por que não, os bilhões negociados com o relator do orçamento em circunstâncias ainda não totalmente claras (talvez para muitos já bastante claras) e os bilhões dos fundos partidários. Não vai dar para esconder quem é quem e quem realmente pensa no país e no seu povo.  Se o fizerem, mesmo a contragosto em função de sua cegueira espiritual, será um salto gigantesco para o país. É esse tipo de gente, no entanto, que em plena crise sanitária mundial insistiu a todo vapor em promover as festas de carnaval em suas cidades para depois posarem de heróis corajosos que tomam medidas para atenuar o próprio mal que irresponsavelmente (para não utilizar palavras ainda mais duras) ajudaram a acelerar.

*José Antonio de Souza Neto é professor da EMGE (Escola de Engenharia de Minas Gerais)