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MEIO AMBIENTE

Diagnóstico fechado: prosperidade do Brasil depende de um oceano saudável

jornal.usp.br - 08 de dezembro de 2023 1774 Visualizações
Diagnóstico fechado: prosperidade do Brasil depende de um oceano saudável

Texto: Herton Escobar
Arte: Jornal da USP


O Brasil é famoso mundialmente pela beleza de suas praias e de suas florestas tropicais. O que muita gente não se dá conta, porém — inclusive dentro do próprio Brasil —, é que o País não acaba em terra firme. Muito além da Amazônia e das praias de areia fofa, emolduradas pelo verde esplendoroso da Mata Atlântica, existe ainda todo um universo de ecossistemas costeiros e marinhos, que também influenciam profundamente a vida no interior do continente. É a chamada “Amazônia Azul”, uma área de 5,7 milhões de quilômetros quadrados (equivalente a dois terços do território continental brasileiro), que pesquisadores descrevem num documento inédito, chamado 1º Diagnóstico Brasileiro Marinho-Costeiro sobre Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos.

“A prosperidade e a soberania do país e o bem-estar do povo brasileiro dependem direta e indiretamente do oceano e dos benefícios que ele provê”, escrevem os autores, no Sumário para Tomadores de Decisão (STD), um resumo em linguagem simplificada dos principais achados e recomendações do diagnóstico. Esses benefícios incluem o fornecimento de alimento, água, energia, recursos minerais e biotecnológicos, proteção da linha de costa e regulação dos padrões climáticos — que controlam o regime de chuvas e dão sustentação à produção agrícola nacional, entre outras coisas fundamentais.

Produzido em colaboração com representantes de povos indígenas e outras populações historicamente ligadas a esses ecossistemas, o diagnóstico se propõe a fazer uma síntese qualificada do conhecimento — científico e tradicional — disponível sobre os ambientes costeiros e oceânicos do Brasil; com o objetivo de “tirar o oceano da invisibilidade” e colocá-lo no centro da agenda de desenvolvimento econômico, social e ambientalmente sustentável do País.

Números para justificar esse protagonismo não faltam, segundo os pesquisadores. Considerando todas as suas curvas e reentrâncias, o Brasil tem aproximadamente 10 mil quilômetros de linha de costa (equivalente à distância entre São Paulo e Los Angeles, na Califórnia), que abrigam uma grande diversidade de espécies e ecossistemas, incluindo a segunda maior área de manguezais do Planeta. Adjacentes à costa, em ambientes que variam de dezenas a milhares de metros de profundidade, encontram-se os recifes de coral, bancos de algas calcárias, montes submarinos, ilhas oceânicas e outros ecossistemas marinhos, também povoados por uma enorme biodiversidade. Dezessete dos 26 Estados brasileiros estão em contato com o oceano; cerca de 18% da população nacional vive próxima ao litoral; e cerca de 20% do produto interno bruto (PIB) do País provém da zona marinho-costeira, oriundo de atividades como pesca, aquicultura, navegação, mineração e turismo.

“A economia do mar definitivamente contribui para o bem-estar da nação brasileira e é bastante diversificada”, disse a professora Beatrice Padovani Ferreira, do Departamento de Oceanografia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), em uma coletiva de imprensa realizada na manhã de quinta-feira (23/11), para a divulgação do STD. Ela destacou, porém, que esses 20% do PIB são um valor “bastante subestimado”, que não leva em conta uma série de benefícios imateriais — como o bem-estar proporcionado pela beleza cênica, o lazer e a relação espiritual que muitas pessoas têm com o oceano —, nem serviços ambientais importantes, como a proteção da costa e a regulação climática, que têm um valor imenso, mas são extremamente difíceis de se quantificar do ponto de vista monetário. “Então, o valor (real) é muito maior do que esse cálculo”, finalizou a professora.

Comparativamente, o agronegócio contribui com 24% do PIB nacional. “Só que, para ter agro, você precisa ter chuva. E a chuva começa no mar, não é mesmo?”, disse o professor Alexander Turra, do Instituto Oceanográfico (IO) da USP, que coordenou a elaboração do diagnóstico, em parceria com Ferreira e Cristiana Seixas, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Ao todo, 53 especialistas acadêmicos e governamentais participaram da elaboração do relatório, além de 12 jovens pesquisadores e 26 representantes de povos indígenas e populações tradicionais. A versão completa do diagnóstico, organizada em seis capítulos, deve ser publicada em junho de 2024 — por enquanto, apenas o Sumário para Tomadores de Decisão foi divulgado. O trabalho é fruto de uma parceria da Plataforma Brasileira de Biodiversidade e Serviços Ecossistêmicos (BPBES, na sigla em inglês) com a Cátedra Unesco para a Sustentabilidade do Oceano, sediada na USP e coordenada pelo professor Turra.

Cristiana Seixas, da Unicamp, destacou que o termo “tomadores de decisão” vale para toda a sociedade, e não apenas para a classe política. “Tomadores de decisão somos todos nós”, disse. “A gente não muda uma cultura, não muda um paradigma operante, se não tiver uma força social que pressione. (…) Então eu acho que a gente tem que expandir esse nosso conceito de ‘tomador de decisão’, e cada um assumir a sua responsabilidade.”

Imagem: A Ilha dos Alcatrazes, no Litoral Norte de São Paulo, é um dos principais símbolos da biodiversidade e da conservação marinha no Brasil - Foto: Leo Francini