Em um pequeno distrito no sul do Texas, a proposta da SpaceX, de Elon Musk, para criar a primeira 'company town' dos Estados Unidos foi aprovada por 173 votos a 4 em uma espécie de plebiscito onde muitos eleitores são funcionários residentes da cidade.
O bilionário também investe em um modelo de urbanismo corporativo que remonta ao século XIX: as chamadas company towns, cidades construídas e administradas por empresas para abrigar seus funcionários. No coração do Texas, duas iniciativas ganham forma — Snailbrook, próxima a Austin, e Starbase, no extremo sul do estado, às margens do Golfo do México. Ambas representam a tentativa de Musk de integrar trabalho, moradia e estilo de vida sob o guarda-chuva de suas empresas, mas também despertam críticas sobre governança, sustentabilidade e direitos civis.
Snailbrook, em construção no Condado de Bastrop, é um projeto capitaneado pela The Boring Company e, indiretamente, pela SpaceX e Neuralink, outras empresas de Musk com presença na região. A cidade está localizada às margens do rio Colorado e foi batizada com o nome do mascote da Boring Company, um caracol. O plano, conhecido internamente como “Project Amazing”, prevê a construção de 110 residências, além de piscina, quadras esportivas, escola Montessori e, futuramente, uma universidade. As casas, com aluguel estimado em US$ 800 mensais, seriam ocupadas por funcionários das empresas envolvidas, com a condição de desocupação em até 30 dias após o fim do vínculo empregatício.
A proposta se encaixa em uma lógica de benefício mútuo: trabalhadores viveriam próximos ao local de trabalho, reduzindo deslocamentos, e as empresas poderiam atrair e reter talentos com pacotes de moradia acessível. Contudo, críticos alertam para os riscos de concentração de poder e controle sobre a vida dos moradores. Outro ponto de tensão é ambiental: o projeto prevê o descarte de até 140 mil galões de águas residuais tratadas por dia no rio Colorado, o que já provoca preocupações entre ambientalistas e comunidades locais.
Já no sul do Texas, a antiga vila costeira de Boca Chica deu lugar a Starbase, a cidade que abriga a base de lançamentos da SpaceX. Oficialmente incorporada em maio de 2025, Starbase teve 212 votos favoráveis e apenas 6 contrários à sua criação — a maioria dos votantes era composta por funcionários da própria SpaceX. O vice-presidente de operações de lançamento da empresa no Texas, Robert "Bobby" Peden, foi eleito prefeito sem oposição. A cidade abriga instalações de fabricação de foguetes, além de uma estrutura de lazer e serviços, com centro comunitário de US$ 22 milhões, academia, centro recreativo e complexo comercial.
Apesar da grandiosidade do projeto, a cidade também tem sido alvo de críticas. Comunidades indígenas e ambientalistas têm se manifestado contra o fechamento do acesso público à praia de Boca Chica e aos impactos causados pelos lançamentos espaciais. A predominância de funcionários da SpaceX na nova comunidade levanta preocupações sobre a independência da administração local e os limites entre cidade e empresa.
Embora as company towns não sejam novidade — foram comuns em períodos de industrialização, com exemplos marcantes como Pullman nos Estados Unidos e Volta Redonda no Brasil —, o modelo de Musk adiciona um verniz tecnológico e futurista à ideia. Ao mesmo tempo, ressuscita velhas discussões sobre o papel das empresas na vida cotidiana, os limites da autonomia do trabalhador e o direito à cidade.
As iniciativas de Snailbrook e Starbase revelam o quanto Elon Musk está disposto a redefinir, à sua maneira, os espaços onde vivemos e trabalhamos. Se essas cidades serão exemplos de inovação urbana ou alertas sobre o poder corporativo, ainda está por se ver.
